29 de mai. de 2012

a cadeira vazia

há muito o que se dizer sobre a cadeira de gauguin, citada no post anterior. de qualquer forma, the empty chair, de fildes, retratando o gabinete de charles dickens (um dos ídolos de van gogh) após sua morte, foi a inspiração direta. como van gogh diria mais tarde, na cadeira de gauguin ele quis retratar sua ausência.

The Empty Chair

28 de mai. de 2012

as cadeiras

está lá o gauguin na casa amarela com van gogh, finalmente. passado um mês, um mês e meio, fica um pouco complicado porque o gauguin é muito impositivo em suas ideias, tem táticas muito elaboradas de desacorçoar as pessoas e suas concepções são absolutamente diferentes das de vincent. este ainda considera gauguin o máximo, mas começa a ficar meio sufocado demais, meio se anulando demais, embora se esforce muito em adotar os ditames artísticos do mestre. mas aí não deu. ele tenta recuperar o pé na realidade, pintando coisas concretas (gauguin defendia que se pintasse apenas "de cabeça", a abstração, a idée), e também, meio desafiador como é e sempre foi, o embate interno que sentia dentro de si vem para a tela. a briga é uma réplica do quadro com a bíblia e a joie de vivre, que comentei antes aqui, mas agora encenada com cadeiras, não com livros, e em duas telas separadas. novembro de 1888.

a cadeira de van gogh

      
a cadeira de gauguin


22 de mai. de 2012

o anseio pelo eterno

vem de longe a fixação de van gogh em estrelas e céu noturno, e principalmente no azul e dourado - cores da suprema consolação: a ressurreição em cristo. é sensacional a amarração que os biógrafos vêm conseguindo fazer. passaram umas 600 páginas colocando uma infinidade de fios, tanto em ordem cronológica quanto em blocos temáticos, e agora começa a se configurar a trama bastante complexa dos vários dramas, obsessões, ideários - em suma, a biografia - do van gogh.

noite estrelada sobre o ródano, setembro de 1888 - em destaque, o grande carro da ursa maior:


19 de mai. de 2012

"um dos mais feios": a devastação do ser


depois de tanto se dedicar a aprender e praticar os princípios impressionistas, neo-impressionistas, pontilhistas, simbolistas, cloisonistas, van gogh conclui que está deixando tudo isso que aprendera em paris, e retoma o evangelho da cor como expressividade cf. charles blanc, com o uso de contrastes, e sobretudo delacroix, seu grande herói da época do ateliê da kerkstraat.

"foram as ideias de delacroix que fecundaram meu trabalho"; mais que os simbolistas; era delacroix que "falava uma linguagem simbólica apenas por meio da cor". critica o uso ornamental ou complementar da cor nos cloisonistas, critica a busca simbolista na imaginação e na invenção, defende a expressão vigorosa do sentimento suscitado pela realidade e por meio do exagero das cores.

é então, depois de proclamar sua independência a bernard, gauguin e theo, que pinta o que vai qualificar como "um dos quadros mais feios que fiz na vida" - "é o equivalente, embora diferente, de os comedores de batatas". é "um lugar onde a pessoa pode se arruinar, enlouquecer ou cometer um crime" - o café noturno, setembro de 1888:



18 de mai. de 2012

foto de 1886

File:Vincent van Gogh photo cropped.jpg

este era o van gogh? uns dizem que sim, outros que não. foto de 1886, em bruxelas, encontrada nos anos 1990 numa lojinha de antiguidades em massachusetts. ver aqui.

"para parecer mais japonês"

1888, agosto, arles - depois de décadas cultuando os naturalistas tipo george eliot e émile zola, van gogh diz que agora "virou as costas à natureza" - quer fazer uma arte mais próxima da música, seus novos heróis são richard wagner e walt whitman, quer ficar mais simbolista, retoma alguns surtos japonesistas romanceados (pierre loti é um must na época) e faz seu primeiro autorretrato no espelho desde paris - explica a theo que fez os olhos "levemente puxados para parecer mais japonês"; dedica o quadro a gauguin (que ainda está em pont-aven, adiando a ida a arles) dizendo que concebeu seu autorretrato como "um bonzo, singelo adorador do buda eterno":


van gogh encabulado

ha, que felicidade! consegui usar um "encabulado" que cabe feito uma luva: é o van gogh que reconhece sheepishly que deixou de fora umas árvores que não combinavam muito no quadro.

17 de mai. de 2012

a retomada dos girassóis




agosto de 1888: "As pétalas foram as últimas. Numa ampla pincelada e com um torneio do pulso, ele aplicou os toques sinuosos de amarelo e laranja, um por vez, um depois do outro. [...] Durante a última florada, um ano antes em Paris, Vincent havia ruminado obsessivamente sobre os detalhes dessas flores enormes pendendo dos caules rijos. Mas agora, em Arles, às vésperas da chegada de Gauguin, ele enxergava apenas a forma extravagante e a cor intensa."




achei fascinante - basta comparar a sequência dos três primeiros quadros de girassóis, que apareceram antes:






eis como continua a descrição dos três girassóis num vaso:
Sobre um fundo do mais intenso turquesa – matiz perfeitamente afinado entre o verde adstringente e o azul repousante –, ele esboçou três flores enormes. Numa rajada de toques minúsculos, transformou os flósculos espiralados em esferas coloridas de complementares: traços de lavanda nas pétalas amarelas, de cobalto nas alaranjadas. Uma surtida incisiva depôs uma grande folha mole sobre um vaso verde-limão, esmaltado e resplandecente à luz brilhante do novo ateliê. Mais uma surtida, mais uma folha. Espalhou uma sucessão de toques repetidos na mesa, num fulgor de vermelhos e laranjas, e então deu brilho a ela com pinceladas cintilantes de todas as cores de sua paleta.

16 de mai. de 2012

o pintor e o semeador

a redenção pelo renascimento: cristo, o semeador e o artista. aqui a inspiração é delacroix e cristo no mar da galileia, "um símbolo da calma em meio à tempestade, da serenidade na adversidade, da reencarnação por meio do sofrimento"; cristo como o “grande artista” que dissemina a arte luminosa da redenção, tal como a figura andando no campo espalha as sementes do renascer. van gogh exclama: “que semeador, que colheita!"


e analogamente: 
Mais ou menos na mesma época, Vincent pintou um autorretrato estranho, implausível, andando “na estrada ensolarada para Tarascon” – o caminho da eternidade – a passos confiantes, carregando seus apetrechos de pintura, com telas, blocos de desenho, penas e pincéis: as sementes de sua nova fé. “Considero que fazer estudos é como semear”, disse certa vez, “[e] anseio pela época da colheita”.


14 de mai. de 2012

montmajour

encerrado o segundo terço da biografia do van gogh. estamos em julho de 1888. já convidou gauguin, mas ainda não rolou nada. há várias coisas importantes acontecendo, principalmente a passagem do japonesismo (que manteve militantemente até junho de 1888, incluídos os barcos pesqueiros que comentei antes) para uma inspiração mais regionalista à la cézanne, seu novo herói. um dos marcos dessa nova fase é uma paisagem em montmajour, em desenho a nanquim e giz:




remete o desenho a theo, dizendo: "Quero tanto lhe dar uma ideia verdadeira da simplicidade da natureza por aqui".

"um olho mais japonês"

van gogh, junho de 1888, está em arles e dá um pulo a saintes-maries-de-la-mer, para ver o mar mediterrâneo (que ele não conhecia). para variar, deve ter criado alguma encrenca, pois sai de lá meio às pressas depois de "uma intervenção inexplicada" do padre e do policial do vilarejo. deixa para trás as três telas que pintou no povoado, mas traz os desenhos. manda vários para theo e os outros leva para o ateliê, para pôr na tela. eis os pesqueiros:



acha que encontrou "o absoluto japão" em arles e região e diz que no midi  "a gente vê as coisas com um olho mais japonês; sente as cores de outra maneira".

13 de mai. de 2012

a genética dos girassóis

se a gente presta atenção, é bem visível a diferença entre os vários girassóis do van gogh num mesmo vaso, por exemplo no quadro dos quinze girassóis:



ou, ainda melhor, no dos doze:


bom, começa que a gente, como leiga, fala em "pétala" e "miolo" da flor e pode achar que o girassol é uma flor. na verdade, ele é uma uma inflorescência composta de milhares de florzinhas, que se chamam flósculos. uns girassóis parecem ter uma bela coroa de pétalas e um miolo médio ou grandotezinho; já outros parecem ter só petálas e nada ou quase nada de miolo, e outros parecem ter um miolo enorme e só uma voltinha de petálas. comparando:

Os girassóis selvagem, duplo e tubular (esq. para dir.) (Imagem: Chapman et. al "PLoS Genetics")

o legal é que recentemente, agora em março, um geneticista americano publicou suas descobertas sobre o mecanismo dessas alterações: não é nenhum gene recessivo que poderia aparecer em algum cruzamento; é mesmo uma mutação genética, muito interessante.

saiu uma notícia bem explicativa de rafael garcia, "quando mendel encontrou van gogh", aqui no blog da folha.

12 de mai. de 2012

as japonesices

voltando um pouco atrás, quando van gogh ainda estava em paris, veio a se interessar pelo japonisme. contam os biógrafos que ele ficou doido quando conheceu a abastecidíssima loja de artigos orientais do alemão bing:
Vincent vasculhou as "montanhas" de imagens estocadas no porão e no sótão de Bing com o fervor de um garimpeiro – "dez mil crépons", comentou exultante –, examinando paisagens e figuras, dezenas de montes Fujis e centenas de gueixas, incontáveis pagodes, flores e samurais. "Você fica deslumbrado, de tanta coisa que há", disse ele. 

File:Hiroshige - Evening Shower at Atake and the Great Bridge.jpg

a partir de hiroshige, pintou uma ponte sob chuva - setembro/ outubro de 1887. eram, porém, "imagens retóricas": não uma reflexão pessoal sobre estampas que lhe agradavam, mas uma maneira de polemizar sobre a cor e a luz, uma campanha militante em favor da "nova arte ".

File:Van Gogh - Die Brücke im Regen (nach Hiroshige).jpeg

11 de mai. de 2012

os primeiros girassóis, III

e a terceira, como dizem os biógrafos:
Por fim, pintou quatro flores enormes dispostas de um lado a outro da maior tela (60 x 105 cm). Três delas explodem como sóis, cada qual com sua coroa fremente de pétalas amarelas, com sua abundância radiante e fervilhante de sementes, com a longa haste verde – recém-cortada, mas ainda cheia de vida. Apenas a quarta flor está virada, escondendo a face, revelando o talo curto, cortado rente, traindo o triste fim que se aproxima.
ei-la:



os primeiros girassóis, II

a segunda, assim exposta pelos biógrafos:
Na imagem seguinte, ele devolveu vida a uma das flores. O centro rodopiante explode de cor e fertilidade. As pétalas amarelas frescas ainda estão orladas de verde, inclinando-se e curvando-se voluptuosamente num plano de fundo em azul-cobalto rutilante. Mas, desta vez, ele colocou a segunda flor acanhando-se modestamente atrás da primeira: está virada, empanada pela exuberância da companheira.
ei-la:

os primeiros girassóis, I


seis meses antes de deixar paris e ir para arles - e, para variar, após uma sucessão de decepções e incidentes mais comitrágicos do que tragicômicos -, vincent entra em mais uma daquelas espirais de introspecção. resolve concluir uma série de pinturas de flores que tinha interrompido. e a flor que escolhe é justamente aquela que vai inaugurar uma prolífica sequência posterior: o girassol.

nessa ocasião (agosto-setembro 1887), faz uma série de três. eis a primeira, interpretada pelos biógrafos da seguinte maneira:
Para a primeira imagem, ele simplesmente cortou as hastes e pôs as duas flores fanando, já quase murchas, em cima de uma mesa. Colocou as duas viradas para frente e ampliou até que ocupassem a tela inteira, para que a obsessão de seu pincel pudesse explorar cada detalhe do fenecimento: o núcleo das sementes desperdiçadas, a fímbria trêmula das pétalas, as folhas ressequidas. Pintadas em amarelos emaciados, em verdes adstringentes e uma chuva de riscos vermelhos, elas sintetizam num demorado close-up a evanescência da perfeição. 
ei-la:


convite a gauguin


van gogh convida gauguin para ir morar com ele em arles, na casa amarela.

é tudo um pouco complicado, pelo seguinte: theo e ele estavam metidos até o pescoço no "entresol", o novo espaço de exposição na goupil de montmartre. era o "empreendimento conjunto" deles, que em algum momento deveria começar a render, quem sabe vincent conseguiria expor algum trabalho seu e (sonho dos sonhos) até começar a vender alguma coisa.

muito que bem. por razões não muito claras, vincent sai meio de chofre de paris em fevereiro de 1888 e vai para arles, tendo como justificativa dar andamento ao projeto comercial para o entresol. depois da briga com o dono do hotel onde tinha se hospedado, ele aluga a casa abandonada da place lamartine, reforma e tenta convencer alguém para ir morar com ele na "casa amarela". nenhum convite dá certo. ele nem tinha pensado no gauguin. este, por sua vez, estava lá na bretanha, na maior pendura, doente, cheio de dívidas etc., e escreve de ponto em branco uma carta para vincent chorando suas pitangas. isso em março. vincent até dá uma força moral, pede que o irmão theo compre alguma tela do gauguin etc., mas nem lhe passa pela cabeça convidá-lo a arles.

só que aí, como seus convidados "preferenciais" declinaram do convite e como o gauguin continuou a escrever chorando mais pitangas, em meados, finais de maio vincent convence theo, invocando razões comerciais, a quitar as dívidas do gauguin, pagar-lhe a viagem até arles e fornecer um estipêndio mensal para o gauguin se ele vier se mudar para arles, com o compromisso de que o gauguin lhe forneça uma pintura por mês. theo concorda e vincent então faz o convite. mas no caso do vincent, por mais comercial que tente parecer, a questão é bem mais ampla (e mais funda).

10 de mai. de 2012

a casa amarela

para variar, vincent brigou com o dono do hotel onde estava em arles. teve de encontrar outro lugar para morar. e foi aí, finais de abril e começo de maio de 1888, que alugou o imóvel que tão célebre veio a se tornar, a casa amarela. estava vazia e desocupada fazia muito tempo, o aluguel era uma pechincha, não tinha gás, aquecimento, ventilação, banheiro, nem nada.



de qualquer forma, para ele parecia um sonho. antigamente era pintada de amarelo, mas estava quase branca de desbotada. ele mandou pintar de amarelo "como manteiga fresca".


8 de mai. de 2012

reminiscência de mauve

ai, por hoje chega. van gogh já está em arles, pintando principalmente árvores de fruta em flor. a explicação dos biógrafos é sempre meio procurando as segundas intenções de vincent. a explicação desta invoca tanto oportunismo, tanta hipocrisia que prefiro calar. fica a imagem do pessegueiro em flor, reminiscência de mauve:


comenta o querido francisco faria: "Vi a exposição de Van Gogh in Arles, no Met, há mais de uma década. Inesquecível. O mais emocionante foi a impressão deixada pela sequência do enorme acervo reunido em ordem cronológica, que Van Gogh foi enternecendo sua pintura perto do final. Criando toda uma aproximação mais afetiva com os seus temas, fossem os objetos que o cercavam, os ambientes, as pessoas, bem longe daquele clima convulsivo dos trigais e dos corvos, por exemplo. Os retratos dessa ultima fase, o da camareira ou o do carteiro, por exemplo, estavam cercado de flores, alguns deles, os últimos, de flores miudinhas. As árvores floridas entram nesse contexto, ele fez dezenas delas antes de se matar, cerca de dois anos depois. No geral, sobrava um ar enternecedor, de uma melancolia atroz e pungente, que me levou, e a alguns presentes também, às lágrimas. Seguramente um dos momentos mais lindos da arte ocidental moderna."

7 de mai. de 2012

a rãzinha e a gueixa

vincent está morando com theo em paris; theo, depois de uns vinte anos, resolveu aceitar o irmão como era (comentei isso antes). theo então cai na gandaia, junto com vincent. antes ele era supersério, mas aí virou "boêmio".

mais importante, theo era gerente de uma das galerias da goupil, justamente a de montmartre. lá, por várias razões, principalmente para a modernização da empresa, os patrões resolvem começar a comprar impressionistas e fomentar os novos artistas. theo fica incumbido da tarefa, põe vincent para ajudá-lo, fica a maior fraternidade entre os dois. mas é sempre tudo muito complicado.

nesse meio tempo, vincent passa a estudar a arte japonesa (andava a maior moda o "japonisme"). então, em novembro é quando ele pinta cortesã: a partir de eisen. achei uma gracinha o sapão e a rãzinha em primeiro plano. um comentador diz que a presença dos batráquios é superdeliberada, pois "grenouille" (rã) também significava "prostituta" (passatempo favorito dos dois irmãos; sem contar que cortesã tb vive esse mundo de prostituição) - um trocadilho talvez meio bastante infame, mas faria sentido.

File:Van Gogh - la courtisane.jpg

essa pintura foi feita a partir da capa de um número especial da paris illustré de maio de 1886, dedicado ao japão:


5 de mai. de 2012

theo e vincent

finalmente, finalmente! 

meados de 1887, theo por fim resolve aceitar o irmão como ele é. 

pois claro que uma relação tão tensa, com tantas brigas, não era unilateral. theo assumia o papel de apoiador, claro, mas de censor, azucrinador, o tempo todo - nada que vincent fazia jamais estava bom - e afinal tinha sido theo que insistira para vincent "virar artista" - mas queria apenas cenas de gênero e paisagens coloridas e agradáveis à vista que pudesse vender na galeria onde trabalhava. 

quando vincent se mudou para paris, theo morria de vergonha dele, nunca saíam juntos, theo nunca apresentava nenhum amigo ou conhecido ao irmão, pois se sentia constrangido com os modos de vincent. depois de uns rolos e confusões, cai um raio na cabeça de theo e decide por fim deixar de ser o cricri de plantão: é a época muito interessante em que realmente pode haver uma proximidade real entre eles, não só cobranças, censuras, críticas de um lado, protestos, chantagens e chiliques do outro.

1 de mai. de 2012

material complementar

para a espantosa biografia de van gogh que estou traduzindo, só de notas os autores escreveram cerca de cinco mil páginas datilografadas. claro que não tinha como entupir o livro - voltado também para o público em geral - com tudo isso. solução: disponibilizaram online todo esse material complementar. aqui.