15 de abr. de 2012

os vidoeiros decotados

março 1884 - primeira vez em que van gogh CAPTA a vida que não seja na figura humana: "Agora, na breve bonança das graças maternas, Vincent podia apenas olhar. Seus olhos encontraram e sondaram cada chaga nodosa, cada toco de galho decepado, cada penosa deformação. Captaram as rugas brancas e cintilantes da casca, a inclinação assimétrica de cada árvore, uma levemente diferente da outra. E dos nós escuros que marcavam os cortes mais recentes, captaram a exultação ascendente da retomada do crescimento – os galhos esguios que se estendiam aos céus, em busca do sol, elevando-se das ruínas mutiladas. Em filas e filas de árvores recuando até o fundo, repetiu o gesto triunfal, preenchendo a parte de cima do papel com camadas sucessivas de linhas verticais, gesto que reverberava em toda a parte de baixo, de lado a lado, em mil traços verticais da pena no capim, nos caniços, nos talos mais afastados."


algumas das conversas que rolaram no facebook:
Denise Bottmann esse tipo de poda se chama decote; tomara que as pessoas visualizem quando o texto fala em "bétulas (ou salgueiros ou whatever) decotadas"... quando eu era novinha, em são paulo era bastante usual decotarem as árvores das ruas, embora não essencialmente por causa da estação, mas mais para não atrapalhar os fios dos postes.
Tamara Barile agora que eu vi as duas figurinhas humanas, uma de cada lado, nem tinha visto antes - bétulas aparadas em decote funciona?
Denise Bottmann longo demais, não acha, Tamara ? olha o comentário dos biógrafos sobre as figurinhas (que eram um problema para ele, pois não conseguia desenhá-las direito, mas aqui ficou perfeita a solução): "Mesmo agora, na primavera de 1884, o domínio da figura era uma meta que ainda não conseguira atingir. Em outro desenho no mesmo mês de março, empenhou-se em desenhar a pena um grupo de quatro árvores decotadas ao lado de uma vala, logo além do portão do jardim. Mas, ao lado delas, acrescentou um homem empurrando um carrinho de mão – um andarilho rígido e sem rosto que trouxera do ateliê da Schenkweg, de uma época em que a solidão prevalecia sobre o olhar. Depois acabou acrescentando duas figuras ao desenho dos vidoeiros decotados – à direita, um pastor e seu rebanho; à esquerda, uma mulher com um ancinho ao ombro – mas estão longe, de costas, e quase somem atrás da grandiosa vitalidade ascendente das árvores mutiladas." bonito, né?
Karel Sobota Van Gogh é para mim O artista da pintura. Depois vem os outros :-) Eu morei por um ano na Holanda e enquanto estive por lá visitei muitos dos lugares da história dele, inclusive Neunen, pertinho de onde eu morava, Eindhoven, e visitei inúmeras vezes o Museu Van Gogh em Amsterdam, além de ver outros quadros dele em outros museus. Boa sorte na sua empreitada, e com certeza comprarei sua tradução quando for publicada! E não deixe de mostrar essas pilulazinhas de vez em quando :-)
Marco Silveira Mello Curioso, as árvores parecem caminhar em procissão, como perseguissem o mesmo norte que o pastor e o rebanho. Algo atrai todos para uma mesma direção, embora a figura feminina antes de caminhar levite.
Denise Bottmann legal, Marco! ele dizia tb: "uma fila de vidoeiros decotados às vezes parece uma procissão de moradores de asilo". ah, pls, querido, me diga: vc sabe como se chama aquele quadradinho de papelão com fios ou linhas como guias, que nas aulas de desenho a gente põe na frente do olho, para enquadrar a perspectiva?
Marco Silveira Mello Respondendo a sua pergunta, o aparelho atende pelo horroroso nome de perspectógrafo, também conhecido como a Janela de Leonardo.
Marco Silveira Mello Mais alguns nomes: "intersector de Alberti" ou "véu de Alberti", a "Finestra Leonardesca", a "Janela de Dürer" ou o "método da quadratura", de Villard de Honnecourt.
Denise Bottmann puxa, que legal, Marco - a ideia inicial é a do alberti mesmo, mas o van gogh aprendeu (mal e mal) umas benditas lições de desenho num manual infantil de um francês, armand cassagne, que recomendava o uso de um “cadre rectificateur”, que consistia num pequeno retângulo de papelão ou madeira, dividido por linhas em quatro retângulos iguais. depois ele acaba extrapolando um pouco (ele, van gogh) e encomenda uns quadros de perspectiva meio trambolhentos, com dez a doze fios intersectados, superincômodos de carregar, mas que tem uns pezinhos adaptáveis para terrenos irregulares (basicamente areia, para usar nas dunas de scheveningen). em inglês, dão como "perspective frame". em português, hoje vc encontra muito a expressão "grade de perspectiva", mas basicamente para programas (tipo corel), meio como tradução literal de gridded frame perspective. eu preferiria evitar esse tipo de anacronismo e descobrir como o pessoal de desenho e pintura chama essa bendita coisa, antes ou independentemente de programas digitais...